Aos pés do morro do Borel no bairro da Tijuca na Zona Norte do Rio encontra-se a unida e humilde comunidade de Indiana, uma favela encantadora que cresceu, chegando a abrigar aproximadamente 600 famílias desde que foi fundada em 1957. No fundo de um imenso morro e com um pequeno rio que percorre por quase toda a comunidade, a favela tem sido rotulada como uma área de risco pela prefeitura, que tentou removê-la em várias ocasiões durante os últimos oito anos. Disputando a narrativa de risco como base para as ameaças de remoção, muitos moradores acreditam que a especulação imobiliária é o que tem levado a prefeitura a colocar uma incansável pressão sob a comunidade.
Após alguns anos de relativa paz, moradores relatam que Indiana ac abade ser escalada novamente para remoção completa pela prefeitura. Marcello Cláudio Nunes Deodoro, membro da Comissão de Moradores, disse ao RioOnWatch que essa semana um recurso do gabinete do Procurador Geral do Município que autoriza a prefeitura a prosseguir com a remoção de Indiana foi aceito. Como nada está certo a partir de agora, os moradores foram levados a um estado de pânico. A comissão vem trabalhando com defensores públicos para lutar contra o recurso e informar a comunidade. Moradores também estão preocupados que a prefeitura esteja planejando contornar suas obrigações de fornecer habitações alternativas de qualidade no caso de remoções, e relatam que autoridades estão argumentando que já ofereceram, anos atrás, habitação pública aos moradores.
Oito anos de incerteza
Em 2010, representantes da prefeitura visitaram Indiana entrando nas casas, tirando fotos e examinando o território. O que alguns moradores não sabiam naquela época é que em 2009 e de novo no começo de 2010, a prefeitura havia anunciado a completa remoção da comunidade. Em seguida, cerca de 110 famílias foram removidas ao longo de 2012. “Em 2012, a prefeitura veio com força total, a Secretaria Municipal de Habitação veio com peso para nos remover daqui”, relembra Inês Ferreira de Abreu Deodoro, membro da Comissão de Moradores. “Realmente foi muito complicado, foi muito triste, muito violento. Resumindo, toda a ação da prefeitura em poucas palavras: saúde mental abalada, corações infartados, óbitos por causa de estresse, relacionamentos desarmoniosos, desarmonia total, o racha de opiniões dentro da comunidade, que a própria Secretaria Municipal de Habitação implantou aqui dentro.”
Naquele momento, o prefeito era Eduardo Paes e o Secretário de Habitação era Jorge Bittar. As técnicas de remoção que eles implementaram em Indiana espelharam suas ações em favelas por toda a cidade. A prefeitura ofereceu apartamentos do Minha Casa Minha Vida em Triagem, também na Zona Norte, para qualquer um que estivesse disposto a se mudar. Algumas famílias aceitaram e várias casas foram destruídas. Indiana é uma comunidade unida no sentido figurativo e literal; com a destruição de paredes e fundações, as estruturas de moradias vizinhas foram enfraquecidas. Escombros foram deixados para trás. Ratos, aranhas e vermes se proliferaram. Inês Deodoro refletiu: “Por exemplo, se a casa de baixo estava sendo descaracterizada, tinha gente morando em cima, tinha geladeira em cima, casas ocupadas. Isso tudo foi, realmente, estratégico para abalar a comunidade por parte da Secretaria Municipal de Habitação”.
Alguns membros da comunidade perceberam que eles precisavam agir. Observando o caos, Antônio Carlos Hipólito decidiu que ele iria buscar ajuda da Pastoral das Favelas, organização ligada à Igreja Católica que tem sido parte integrante na assistência às comunidades na luta contra a remoção. “Estava todo mundo sem saber o que fazer. Eu disse [para mim mesmo] ‘meu Deus do céu. A metade da minha vida foi nas ruas, a outra metade aqui dentro da comunidade. Se minha esposa escuta uma coisa dessas, ela vai morrer’. E fiquei três meses correndo atrás [da Pastoral das Favelas]. Eu tinha o nome da rua errado e o telefone errado. Eu sabia que era na Glória. Cheguei lá, e disse [para mim mesmo] ‘meu Deus onde eu vou’. Desci na estação do metro. Tropeçando, quase me machuquei na escada rolante.”
Entretanto, finalmente Hipólito encontrou o lugar certo e alguns dias depois a Comissão de Moradores foi criada em Indiana para lidar com a crise. Dentro de semanas, os membros estavam tirando fotos, documentando as ações da prefeitura, trabalhando diretamente com o defensor público encarregado e colaborando com outras organizações. A própria prefeitura tentou desestabilizar a comissão ao culpar a resistência do grupo pelo processo de remoção. A comissão ainda acabou sendo atacada por outros moradores, mas finalmente foi bem sucedida em deter esse projeto particular da prefeitura. Indiana estava a salvo, por algum tempo.
A Comissão de Moradores
A forma como a comunidade sobreviveu à tamanha pressão e intimidação é uma inspiração para muitas do movimento de resistência às remoções por toda a cidade. Moradores foram colocados uns contra os outros, fundações físicas e emocionais foram destruídas, e ainda assim eles persistiram. A Comissão de Moradores entrou em confronto algumas vezes com a associação de moradores, que já existe há tempos. Hoje, embora nem sempre concordem, elas trabalham juntas para atingir os mesmos objetivos.
Três objetivos estratégicos principais movem o trabalho da Comissão de Moradores: resistir as ameaças de remoção, promover melhorias internas na comunidade e demandar urbanizações em Indiana com a regulação dos serviços públicos. O grupo trabalha em direção a esses objetivos ao informar os moradores sobre o que está acontecendo pelo Rio, especificamente em relação às remoções, mas tocam em todas as questões relevantes às favelas.
A comissão sedia fóruns e debates, trabalha com outras organizações, provê serviços aos moradores e atua de olhos vivos. Desde fevereiro de 2018, a comissão ganhou três processos judiciais contra os esforços da prefeitura para progredir com as remoções e está esperando por mais um em andamento. Em momentos em que as ameaças contra Indiana se acalmaram, a comissão continuou ativa. “É uma coisa para se estudar, é uma coisa que o Estado tem que rever. Remoção realmente faz bem? Até quando remoção faz bem? Até quando isolar os moradores da favela faz bem para a sociedade?” Inês perguntou. “Favelas fazem parte da cidade, então urbanizar é preciso, é necessário, urgente, mas deve ser [feito de forma] eficaz, econômica, social, humana, menos agressiva. A comissão tem esse papel de aprender com sangue, suor e lágrimas.”
A luta continua
Em 2009, o então Secretário Municipal de Habitação, Jorge Bittar, constatou: “O que garante que dessa vez a remoção da Indiana saia do papel é que temos recursos em abundância”. Hoje, moradores permanecem constantemente cansados das ameaças de remoção. Antes das últimas notícias sobre o último recurso bem sucedido da prefeitura, Hipólito disse: “Eu estou achando que essa prefeitura está vindo no mesmo passo [que a última administração, pressionando para a remoção], e só não fez mais, no meu entender, [apenas] porque não tem verba, não tem capital”.
Em janeiro, o Prefeito Marcelo Crivella visitou o bairro vizinho do Borel e a Comissão dos Moradores apresentou a ele suas demandas, que comportam em grande parte urbanizações humanas da comunidade, sem remoções. Enquanto a visita de Crivella foi necessária e um passo positivo, os moradores dizem que tudo tem que ser acompanhado por ações realmente lideradas pela comunidade. Na verdade, muitas autoridades da prefeitura visitaram Indiana no passado–em um discurso na comunidade em 2013, o então Prefeito Eduardo Paes ainda declarou publicamente que ele nunca solicitou a remoção de Indiana–ainda assim, não houveram muitos resultados positivos ou concretos desses encontros. “Na realidade, quando a gente olha com um olhar mais profundo, urbanizar [a cidade] deles é remover. Mais uma vez mudou a prefeitura, mudou a gestão, e o pacote de habitação vem pronto para as comunidades. A Secretaria Municipal de Habitação, não vem perguntar à gente como queremos nossa moradia”, declarou Inês.
De fato, no primeiro ano de Crivella no governo houveram numerosas ameaças de remoções e apesar de sua administração ter prometido que não haveriam remoções, moradores de comunidades ameaçadas permanecem céticos e alertas. Muitos na comunidade acreditam que terão mais remoções assim que a prefeitura sair da crise financeira. O Plano Estratégico da prefeitura promete que mais de 14.000 casas na região da grande Tijuca–área que inclui Indiana e o Borel–serão removidas em uma tentativa de garantir segurança para os moradores do Rio, o que pode servir de justificativa para aumentar as campanhas de remoção.
A ameaça está lá, mas os moradores de Indiana estão prontos–consciência da ameaça e sobre as potenciais justificativas da prefeitura–organizados e experientes. Junto das comunidades mais novas nessa questão de ameaças de remoção, eles constituem parte da Frente Parlamentar Contra Remoções, formada no último mês de novembro. Muitas outras comunidades copiaram as ações tomadas pela comissão e têm sido bem sucedidas na luta contra ou no adiamento de remoções, e o movimento como um todo é mais forte por conta desse exemplo. Como Hipólito coloca: “Vamos vencer, vamos vencer”.
A comunidade planeja realizar um fórum aberto na Fundação São Joaquim, na Tijuca, no dia 12 de abril às 18h. A comissão convidou o Prefeito Crivella e muitos outros políticos do Rio em uma tentativa de criar uma discussão positiva e proativa sobre os problemas enfrentados por Indiana e por outras comunidades da região metropolitana. Todos estão convidados.