Matéria da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela, sobre eventos e temas que surgem na sociedade.
Na noite de quinta-feira, 15 de março, gritos por justiça e pela reforma da polícia ecoaram por todo o edifício da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), enquanto o Rio lamentava as mortes da Vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes, assassinados a menos de 24 horas antes. Helicópteros sobrevoavam o local e os batalhões das Tropas de Choque estavam a postos quando milhares de manifestantes de toda a cidade se reuniram cantando: “Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar!”, e “Por Marielle, eu digo não, Eu digo não à intervenção!”. Dezenas de protestos ocorreram simultaneamente em todo o Brasil, e também foram planejados protestos em Nova York, Londres e em outras cidades ao redor do mundo.
Por volta das 18:30h, a enorme multidão começou a marchar para o norte até a histórica igreja da Candelária, abraçados, chorando e clamando. “Marielle, presente!”
A morte de Marielle uniu pessoas de todo o Rio em solidariedade, mas foram as favelas da cidade que mais sofreram. Nascida e criada nas favelas do Complexo da Maré, a socióloga e professora de 38 anos era a única mulher negra da Câmara Municipal. Para muitos, ela era a heroína dos mais vulneráveis da cidade.
Em fevereiro, a Câmara Municipal nomeou Marielle relatora de uma comissão especial para monitorar a intervenção militar do governo federal. Antes de sua nomeação, ela usava sua posição para denunciar violência policial, condenando o abuso nas favelas do Rio. Preocupada que tal abuso pioraria em meio a declaração do Presidente Michel Temer de intervenção militar no Rio, Marielle ergueu sua voz ainda mais.
Em um dos seus últimos tweets, Marielle denunciou o recente assassinato de Matheus Melo, um jovem de 23 anos da favela de Manguinhos na Zona Norte, baleado pela polícia enquanto voltava para casa da igreja, no dia 23 de março. “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?” ela perguntou.
Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?
— Marielle Franco (@mariellefranco) March 13, 2018
No último fim de semana, 10 de março, Marielle criticou publicamente a violência policial na favela de Acari. Citando o batalhão mais letal da Polícia Militar do estado, o 41º, ela escreveu: “O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!”
O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens! pic.twitter.com/SrSycFE5Sl
— Marielle Franco (@mariellefranco) March 10, 2018
Quando os detalhes de sua morte emergiram, se tornou claro que sua morte foi uma execução. Investigadores determinaram mais tarde que seus assassinos seguiram seu carro por cerca de quatro quilômetros. O quadrinho do ilustrador Carlos Latuff logo começou a circular pelo Facebook, desenhando a trajetória de retaliação desde seus comentários sobre abuso policial até seu assassinato: “28 de fevereiro, a Vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) é nomeada relatora da comissão que vai acompanhar a intervenção no RJ; 10 de março, Marielle denuncia violência policial em Acari; 14 de março, Marielle é executada a tiros”.
Grupos tanto da favela de Manguinhos quanto de Acari prestaram homenagens, reconhecendo o sacrifício que Marielle fez e lembrando seu apoio às suas comunidades.
O grupo de mães que perderam seus filhos para a violência policial em Manguinhos, Mães de Manguinhos, declarou: “Continuaremos RESISTINDO para nós e por você, MARIELLE FRANCO!! MARIELLE PRESENTE, HOJE E SEMPRE!! Você estará sempre no coração e na LUTA das MÃES DE MANGUINHOS e de TODAS as mães!!”
O coletivo de direitos humanos Fala Acari responsabilizou o Estado pelo assassinato de Marielle, escrevendo:
Marielle Franco era uma mulher negra e favelada que, assim como muitos de nós, foi EXECUTADA PELO ESTADO. Não, nós não estamos aqui afirmando que foi o Batalhão X ou Y, mas estamos dizendo que, mesmo com outros lugares no Brasil com números de violência bem maior que o Rio de Janeiro, se este estado está na situação que está ninguém além do estado é o maior culpado de mais essa morte. Marielle Franco esteve na última semana ajudando o Coletivo Fala Akari a denunciar publicamente o que a Favela de Acari está passando nas mãos do braço armado do estado, mais especificamente o 41º Batalhão da Polícia Militar, o 41BPM, inclusive no fim de semana saiu uma matéria no Jornal O Dia onde ela falava sobre o que vem acontecendo aqui na nossa favela há MUITO TEMPO. Essa mulher estava na luta CONTRA A OPRESSÃO DO POVO NEGRO E FAVELADO e muito provavelmente foi morta de forma tão violenta. Prestamos solidariedade aos familiares, amigas e amigos de Marielle Franco e de Anderson e seguimos dizendo que: #NãoIrãoNosCalar #NossosMortosTêmVoz #EstadoAssassino #AsVidasNegrasImportam #AsVidasNasFavelasImportam”.
Ativistas e ONGs ao longo das 16 favelas do Complexo da Maré lamentaram a morte de Marielle e exortaram a Maré a continuar seu legado. Relembrando seu slogan de campanha inspirado no ubuntu, “Eu sou porque nós somos”, o grupo ativista Amarévê escreveu: EU SOU PORQUE NÓS SOMOS. MULHER, a Maré continuará a tua luta. Não vamos nos calar. Marielle Presente.”
O coletivo de mídia comunitária Maré Vive condenou o ataque e pediu solidariedade entre os moradores da Maré, postando: É verdade pessoal, Marielle Franco, cria da Maré, negra, mulher, nossa grande amiga de longa data e vereadora do Rio de Janeiro, foi morta a tiros por pistoleiros. Assassinato. Crime Político. Uma covardia sem fim. Mari vive. E vai viver! Continuaremos a sua luta e vai ser maior a cada dia. É o que podemos dizer neste momento de muita dor. Pedimos orações e energias positivas para familiares e amigos. Eu sou porque nós somos.”
As ONGs da Maré Observatório de Favelas, Redes de Desenvolvimento da Maré e Instituto Maria e João Aleixo fecharam suas portas mais cedo, chamando apoiadores a se juntarem aos protestos do dia no Centro da cidade. Os três emitiram uma nota conjunta, escrevendo:
“MARIELLE, PRESENTE! Justiça! É com grande pesar e indignação que recebemos a notícia do assassinato da Vereadora Marielle Franco na noite de ontem. Mulher, negra, favelada e incansável defensora dos direitos humanos, ela sempre sonhou e batalhou por um mundo mais justo e igualitário. Pleno e de direitos.
Sonho construído a partir da favela da Maré e que ganhou a cidade ao ser compartilhado por mais de quarenta e seis mil cariocas que a elegeram vereadora. Dentro e fora da Câmara, neste curto espaço em que exerceu seu mandato, Marielle abraçou a causa de todas e todos que sempre tiveram os seus direitos violados nas favelas e periferias de nossa cidade. Sempre com o seu sorriso aberto e a sua determinação, ela nunca desanimou da luta.
Esse assassinato brutal é mais uma tentativa de intimidar e calar a voz daquelas que, como ela, acreditam que é possível construir uma sociedade que respeite as pessoas, as diferenças, que seja solidária, aberta e livre de preconceitos. Uma tentativa em vão, podem ter certeza.
Não aceitaremos uma possível impunidade dos autores desta barbaridade. O Estado precisa agir com rapidez e rigor em busca dos culpados. E nós temos de participar, ampliar e potencializar os atos em solidariedade a Marielle e construir uma grande e forte manifestação para garantir a investigação. Ultrapassamos todos os limites. Os tiros que tiraram a sua vida atingiram, mais uma vez, todos nós e a nossa democracia.
Nesse sentido, a REDES da Maré, o Observatório de Favelas e o Instituto Maria e João Aleixo, se solidarizam com a família e os amigos de Marielle e convocam toda a população a ir para as ruas, participando e construindo atos, mobilizando e articulando forças em busca de um mundo fraterno, igualitário, democrático e de pleno direitos. Nos solidarizamos também com a família e os amigos do motorista Anderson Pedro Gomes, mais uma vítima desse ato covarde e cruel. Anderson, pai de um filho que irá completar dois anos, também será sempre lembrado e sua memória motivo pelo qual seguiremos lutando, com força e determinação.
Por fim, não seguimos à toa. Jamais! A morte da Vereadora Marielle Franco é uma perda irreparável. Mas seu exemplo, sua dedicação, alegria e força nos inspiram a continuar com o árduo trabalho de construir um mundo melhor. Seguiremos–juntos–em frente.”
“Eu sou porque nós somos.” #MariellePresente