Um Ano do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas: ‘Nós por Nós’ como Metodologia #DadosSalvamVidas

Coletivos envolvidos com o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas

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Esta é nossa matéria mais recente sobre o coronavírus e seus impactos sobre as favelas.

Divulgação da Live marcando um ano do Painel Univifcar Covid-19 nas FavelasNo dia 22 de julho, o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, iniciativa que reúne 24 coletivos periféricos e aliados da sociedade civil, realizou uma live interativa marcando um ano do projeto. O evento lançou uma nova série de dados históricos, mostrando a evolução da pandemia nas favelas ao longo deste ano. Além disso, trouxe uma retrospectiva da pandemia em diversas comunidades fluminenses e uma análise sobre a pandemia atualmente, através de depoimentos de suas lideranças. O formato “aquário” possibilitou a participação ampla do público. 

A live contou com Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras (ComCat)*, e Renata Gracie, colaboradora da Fiocruz, como “provocadoras”, além de dez lideranças comunitárias e comunicadores do Rio de Janeiro: Anna Paula Salles, do projeto A.M.I.G.A.S de Itaguaí; Marcia Helena, do Centro Comunitário do Raiz Vida de Vila Isabel, no Morro dos Macacos; Douglas Heliodoro, mobilizador do Conexões Periféricas-Rio das Pedras; Fabio Leon do Fórum Grita Baixada, da Baixada Fluminense; Mariana Galdino, do LabJaca no Jacarezinho; Jacob Portela, da Fiocruz ativo na Cidade de Deus; Ana Leila, do Centro Social Fusão em Jacutinga, Mesquita; Hugo Oliveira do SOS Providência; Valdirene Militão, que falou pela Frente de Mobilização da Maré; Tatiana Lima, jornalista, comunicadora popular e colaboradora em comunicação do Painel; e Elisa Maria Campos, jornalista responsável pelos informativos do Painel. Os participantes se apresentaram a cerca de 500 pessoas entre Zoom, YouTube e Facebook Live.

“Esse capítulo [enfrentamento da Covid-19] já entrou pra história das favelas. Há décadas a gente percebe a ausência do poder público nas comunidades. Precisamos reconhecer o trabalho do Painel na pandemia.” — Mariana Galdino

Theresa iniciou as falas fazendo um breve histórico do Painel. Em sua apresentação, explicou que a equipe da ComCat começou a ouvir sobre casos e mortes por coronavírus nas favelas ainda em abril de 2020, quando ainda eram invisibilizados nas estatísticas oficiais e na imprensa mainstream. Então, a ComCat foi se juntando com 23 outros coletivos e organizações que atuavam frente à pandemia nas favelas para captar e dar visibilidade à dados, de forma totalmente voluntária, a fim de garantir informações que pudessem orientar políticas públicas responsivas à pandemia. Foi assim que surgiu o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas.

Foto de evento presencial antes da pandemia de organizações e movimentos de favela organizados em rede e facilitados pela ComCat

As favelas convivem com questões pré-existentes como a negligência crônica do poder público, recursos escassos, alta densidade, acesso inadequado à saúde e água, e adicionado a isso variáveis próprias deste momento de pandemia, como lideranças do governo banalizando a gravidade da situação, apoio econômico insuficiente e atrasado, testagem insuficiente, subnotificação, estigma sobre a Covid-19 e ansiedade

Por conta de todo esse contexto, o levantamento de dados se tornou uma grande prioridade porque, sem dados, se torna inviável uma resposta política adequada aos problemas públicos. “Sem dados, não há provas que algo precisa ser solucionado. Então é conveniente para o poder público não captar dados nas favelas. Em um primeiro momento, poderia se dizer que não seria possível, mas o Painel veio para mostrar que é sim. O poder público deveria ter feito isso ao longo do tempo para termos uma resposta imediata e não estarmos aqui um ano depois”, disse Theresa. “A missão do painel é garantir dados sobre Covid nas favelas para poder instigar políticas públicas informadas, responsivas e eficazes.”

“Hoje cobrimos 336 favelas do Rio, o que corresponde a 70% dos domicílios em favela na cidade. Até hoje, tivemos quase 80.000 casos confirmados e mais de 6000 mortes, o que é um número maior do que em 166 países inteiros no mundo. A nossa situação é ímpar no mundo e o painel vem tentando trazer isso à tona.” — Theresa Williamson

Dados do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas ao longo de um ano

Theresa afirmou que o Painel não vai parar por aqui. A ideia é continuar e expandir o seu trabalho, oferecendo suporte para mobilizadores de favela para acompanhar os impactos da pandemia. “Queremos também completar os dados para cobrir 90% dos domicílios em favelas e então publicar uma nota técnica com a análise histórica e completa; melhorar os mapas municipais das favelas e garantir que os mobilizadores comunitários sejam reconhecidos e que suas ações sejam investidas para que uma tragédia como essa nunca se repita”, finalizou Theresa.

Renata Gracie, do ICICT/Fiocruz, em seguida afirmou que não há ciência sem relação com a população. “Se não tivermos dados de um certo período, a vigilância terá mais dificuldade de atuação. Além disso, se a gente não consegue lidar com a pandemia, não conseguiremos voltar ao trabalho. E enquanto a gente não consegue voltar ao trabalho, a miséria vai se aprofundando. Então, a importância dos dados passa por todas essas questões.”

Fazendo um panorama geral, Renata contou que o Brasil representa 10% dos casos de Covid-19 no mundo e 13% dos óbitos. Ao comparar com outros países de maiores números gerais que os nossos, a nossa mortalidade ainda é a pior.

“Nós levantamos os dados do Brasil através de um aumento da agilidade e a sociedade civil divulgando os dados através do Brasil I.O, mas nas favelas, o acesso a dados não é tão facilitado. Se olharmos os dados oficiais, há uma incidência e mortalidade por Covid-19 mais baixa nas favelas, mas na realidade a letalidade é mais elevada”, explicou Renata.

Dados do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas

Renata fez uma atualização bastante alarmante durante sua fala:

“Com os dados coletados até hoje, reparamos que nos últimos meses os casos e óbitos nas favelas estão em uma curva crescente, enquanto no Rio está descendo. As comunidades com mais casos novos no momento são a Rocinha e o Complexo da Maré, enquanto óbitos são a Maré e o Jacarezinho.” — Renata Gracie

Terminada esta etapa de apresentação dos dados, o debate em formato de aquário foi iniciado, com uma sequência de apresentações e falas dos integrantes que realizam e se utilizam do projeto em suas comunidades. Anna Paula Salles usou de seu tempo para ressaltar a importância do Painel e da comunicação comunitária: “O Painel nos serviu como um instrumento para dar voz e vez, porque nós atuando dentro das comunidades com pesquisas simplórias podemos nos unir para ter essa tecnologia. Queria também ressaltar a importância das informações de base comunitária. Muita gente desdenha, mas nós sabemos da nossa importância. Um exemplo disso é que já sabíamos do caso da variante Delta na nossa cidade antes desse dado ser divulgado oficialmente”. Ana Leila, mais tarde, contou que em Mesquita já existem sete pessoas com a variante Delta da Covid-19

Anna Paula Salles, Marcia Helena e Douglas Heliodoro durante a live

Em seguida, Marcia Helena tomou a palavra e contou sobre os problemas com a fome e o estigma que as favelas vêm passando, além de ressaltar a importância da vacina e do SUS neste momento. “Nós da comunidade sofremos um preconceito muito grande, porque as pessoas acham que a doença é pior dentro da comunidade, por sermos negros e favelados. Então as pessoas acham que temos uma doença pior do que elas.”

Douglas Heliodoro refletiu que este evento poderia ser comemorativo de um ano de Painel, mas infelizmente os números mostram que ainda não há o que se comemorar. “Gostaria de reforçar a importância do Painel e o papel educativo que essa ação teve. A máxima ‘juntos somos mais fortes’ nunca alcançou tanto a sua concretude. A luta contra a Covid na favela entra acompanhada de várias outras lutas, como a luta por moradia, a fome e as operações policiais.”

Fabio Leon, do Fórum Grita Baixada, parabenizou a iniciativa, ainda mais por estarmos em um país sob um governo negacionista. “Tivemos ajuda de mais de 40 organizações aqui na Baixada Fluminense para enfrentar essa situação, e nenhuma era do poder público. Tivemos que usar a máxima ‘nós por nós‘. Torcemos para que essa pandemia acabe logo”, disse. 

Mariana Galdino contou sobre o LabJaca, um laboratório de pesquisa e produção de dados e narrativas na favela do Jacarezinho, que surgiu na pandemia, justamente por conta da defasagem dos dados nessa que está sendo a maior crise sanitária do século: “É muito foi por conta do Painel, então temos muito a agradecer. A gente está com um número enorme de pessoas passando fome, além da chacina que ocorreu no Jacarezinho durante a pandemia. O Estado vai achar maneiras de nos matar e dizer que nossas vidas não importam. Precisamos de um Estado que nos sirva, nos represente”.

Jacob Portela trouxe informações sobre o Coletivo de Pesquisa Construindo Juntos, que tem realizado pesquisas na Cidade de Deus sobre os impactos da pandemia: “Foi dali que nasceu a ideia de juntar todas as entidades da Cidade de Deus e formar um coletivo para lançar a campanha chamada CDD Contra a Covid. Fizemos uma campanha de conscientização sobre as máscaras, para fazermos a prevenção. Recentemente também colocamos uma placa na praça principal da Cidade de Deus com o número de casos e óbitos da favela para manter a população informada e conscientizada. Tem sido uma experiência muito rica”.

Jacob Portela, Ana Leila e Hugo Oliveira durante a live

Hugo Oliveira trouxe informações do S.O.S. Providência, contando que na Providência, carecem de serviços até para a retirada dos corpos. “Tivemos que nós mesmos ajudar a família a retirar o corpo. Também tivemos que nos organizar muito para auxiliar com alimentos, material de higiene… Precisamos de uma participação muito maior dos líderes locais nas políticas públicas.”

Elisa Maria Campos resgatou a questão da desigualdade de informação: “Dentro de uma pandemia isso se torna uma questão de saúde também. É o nosso maior desafio, como uma sociedade capitalista, tornando-se uma sociedade de informação. Não podemos aceitar mais desigualdade social”.

Valdirene Militão, da Maré, contou as dificuldades de enfrentar o vírus com a pobreza e falta de espaço nas favelas: “Como falar de distanciamento, se um morador tem uma casa que é um quarto e um banheiro e moram oito pessoas? Muitos perderam o emprego e a casa porque não tinham dinheiro para o aluguel. Perderam até os números de celulares, sem dinheiro para botar crédito, além da questão da nutrição, que não é a mesma de quem mora na Barra e na Maré! Então, como uma pessoa não adoece se ela não está bem alimentada? A Covid mata, mas a fome, o frio e a depressão também”.

Elisa Maria Campos, Valdirene Militão e Tatiana Lima durante a live

Tatiana Lima finalizou relembrando o papel da comunicação popular neste contexto: “Muitos de nós estamos de luto, seja por família ou vizinhos. A comunicação que em geral tem esse trabalho de informar, teve que se reinventar para ir para a linha de frente, virar liderança. O que teria sido da gente nas periferias sem a comunicação popular?”

Assista a LIVE de Um Ano do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas Aqui:

Conheça os 24 coletivos e aliados que construíram esse um ano de Painel Unificador Covid-19 nas Favelas: A.M.I.G.A.S. | Associação Vó Cleusa | Centro Comunitário Raiz Vida | Centro Social Fusão | Coletivo CDD | Coletivo Conexões Periféricas-RP | Comunidades Catalisadoras | Covid por CEP | Data_Labe | Dicionário de Favelas Marielle Franco | Fala Roça | Favela Vertical | Fiocruz | Fórum Grita Baixada | Frente de Mobilização da Maré | Instituto Educacional Araujo Dutra | LabJaca | Maré de Notícias | Marias em Ação | Mulheres de Frente | Observatório de Favelas | PerifaConnection | Redes da Maré | SOS Providência | TETO.

O RioOnWatch e o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas são iniciativas da Comunidades Catalisadoras


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