Neste Mês do Meio Ambiente, Entenda o Desafio de Visibilizar o Racismo Ambiental Através da História do Documentário, ‘Como Sobreviver ao Racismo Ambiental’ [VÍDEO]

A Luta Audiovisual contra o Racismo Ambiental e a Invisibilidade Climática

Neste mês que comemora o meio ambiente, o RioOnWatch traz ao público os bastidores do documentário Como Sobreviver ao Racismo Ambiental. Dividido em quatro capítulos, o documentário-em-evolução é um instrumento contra a invisibilidade climática na Baixada Fluminense. Com recursos do Edital Fundo Casa 2022 e de financiamento coletivo, a obra, produzida pela Visão Coop, foi inteiramente filmada na Baixada e evidencia uma realidade de problemas ambientais cotidianos, que traz sérias consequências à população há décadas. Sua finalização depende de recursos adicionais, remetendo a mais um elemento da escassez vivida na Baixada Fluminense.

Quando se quer medir os efeitos devastadores de uma emergência climática, como fortes pancadas de chuvas, basta observar seus impactos imediatos em áreas periféricas. Em fevereiro de 2020, na cidade de Queimados, na Baixada Fluminense, não foi diferente. As fortes chuvas fizeram com que bairros inteiros da cidade ficassem embaixo d’água, causando transtornos, ansiedade e medo, preocupação e perdas materiais para muitos que demoraram anos para terem algum conforto em suas residências. Essas histórias não saíram da cabeça da jornalista Fabrícia Sterce, moradora da região. 

Durante a enchente de 2020 em Queimados, Fabrícia, que é cria do bairro da Pedreira, organizou com um grupo de amigos uma espécie de gabinete emergencial de crises, que formulou o primeiro diagnóstico de vulnerabilidade climática da cidade. Entrevistaram e entregaram cópias para todos os candidatos à prefeitura da cidade, próximo da época das eleições municipais.

O levantamento não serviu apenas para elencar os problemas estruturais locais, tampouco se restringiu a responsabilizar os futuros gestores públicos pelo compromisso em solucioná-los. Para além disso, ficou decidido entre o grupo que o monitoramento deveria ser permanente.

Testemunhando o descaso do poder público e o aumento da precarização socioambiental, o grupo resolveu levantar anualmente informações sobre o estado da vulnerabilidade climática.  A iniciativa se transformou na Visão Coop, um laboratório cívico, organizado em redes de cooperação com foco em tecnologias sociais, digitais e verdes na Baixada. O acúmulo dos materiais e dos esforços realizados em conjunto com tecnologias sociais, resultaram em material suficiente para dirigir um documentário que narra as consequências das mudanças climáticas na Baixada Fluminense.

“A Visão Coop, após a enchente de 2020 em Queimados, começou a trabalhar em iniciativas como a Brigada Contra Enchentes e o Núcleo de Defesa Ambiental, eixos de ação emergencial em meio às mudanças climáticas que atingem nossas periferias. Estávamos pensando em possíveis mitigações coletivas para diminuir esses impactos, o que resultou no Projeto Avatar, que consistia no monitoramento de desastres climáticos a partir dos quatro elementos: água, fogo, terra e ar, partindo do princípio de que esses elementos estão interconectados e são os temas do documentário. O filme nasce desse processo, registrando o racismo ambiental em quatro municípios da Baixada: Queimados, Nova Iguaçu, Itaguaí e Duque de Caxias.— Fabrícia Sterce

Equipe do Instituto Educação Ambiental e Ecoturismo e do documentário "Como Sobreviver ao Racismo Ambiental" na produção do episódio "Fogo" na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu. Foto: Divulgação
Equipe do Instituto Educação Ambiental e Ecoturismo e do documentário “Como Sobreviver ao Racismo Ambiental” na produção do episódio “Fogo” na Serra do Vulcão, em Nova Iguaçu. Foto: Divulgação

Racismo Ambiental: Um Desafio Audiovisual

Historicamente, pessoas negras e de baixa renda que viviam nas periferias do país sofriam mais com casos de calor extremo, intoxicação provocados pelo contato com o lixo tóxico, além de ter uma maior ocorrência de eventos climáticos extremos e de forma geral, atividades que colocam em risco a saúde das populações periféricas. Pessoas que foram levadas a viver em áreas menos valorizadas, onde os serviços públicos pouco chegam.

Por todo esse contexto, em 2022, a Visão Coop tomou a decisão de produzir o documentário, “Como Sobreviver ao Racismo Ambiental”. Dentre os problemas decorrentes do racismo ambiental estão: a falta de saneamento básico, coleta de lixo, rede de esgoto, acesso à água potável e instalação de aterros sanitários. O termo racismo é colocado devido à predominância da população negra nos territórios mais atingidos pela escassez de políticas socioambientais. O racismo ambiental é agravado pela falta de infraestrutura pública e no descaso frequente dos tomadores de decisão com problemas observados em regiões tratadas como “zona de sacrifício” — um dos principais conceitos abordados no filme.

“’Como Sobreviver ao Racismo Ambiental’… também convive com um tipo muito específico de escassez: a financeira. Circulando com versões simplificadas em cineclubes, inclusive, fora do Estado do Rio, o filme ainda não está finalizado. Devido a grande quantidade de materiais brutos, o investimento inicial de R$13.000 não foi o suficiente para cobrir o processo de edição da obra que conta com mais de 100 horas de gravação de conteúdo original.  A versão atual em exibição ainda conta com metade dos quatro temas.” — Fabrícia Sterce

Gravação do capítulo "Água" do documentário "Como Sobreviver ao Racismo Ambiental" no bairro Santa Rosa, em Queimados, na sede do Projeto Sementes do Futuro. Foto: Divulgação
Gravação do capítulo “Água” do documentário “Como Sobreviver ao Racismo Ambiental” no bairro Santa Rosa, em Queimados, na sede do Projeto Sementes do Futuro. Foto: Divulgação

Para Fabrícia, produzir cultura de forma independente na Baixada, está se tornando mais possível, porém o processo é lento.

“Temos grandes artistas, fazedores de cultura, que enaltecem nossas memórias, belezas, contextos e expressões, que colocam a Baixada em evidência. Sinto que os editais voltados pra cá têm crescido, o que é um grande avanço, mas ainda temos muito pra caminhar. É importante valorizar os projetos do tamanho que eles são, ainda temos pouco suporte a projetos de grande porte, por exemplo, como um filme longa-metragem.” — Fabrícia Sterce

O documentário apresentado pela historiadora Juliana Coutinho, moradora do Complexo da Torre, em Queimados, destaca os processos de desigualdades socioambientais, a falta de infraestrutura, de serviços públicos e a violência, que se agravam com a industrialização na região. O filme busca mostrar o protagonismo do território, mostrando como seus moradores resistem e constroem estratégias de vida, mesmo diante das adversidades.

A apresentadora ressalta a mensagem do filme como uma denúncia, utilizando os quatro elementos da natureza para destacar que ela não é nossa inimiga. No entanto, ela pontua que, para garantir sua ampla divulgação, almejam exibi-lo em escolas, cineclubes, universidades, fóruns e outros espaços onde o debate sobre essa temática é crucial.

“[O filme] fala muito sobre como a gente consegue se desenvolver, o nosso mecanismo de defesa e também nossa estratégia de sobrevivência… Conseguimos desenvolver coisas muito fantásticas, que são as tecnologias do território e as pessoas que desenvolvem isso.” — Juliana Coutinho

Ausência de Políticas Públicas Evidencia Necessidade de Ouvir Vozes Periféricas

Historicamente, na Baixada Fluminense, conjunto de territórios que engloba 13 cidades, com aproximadamente 4 milhões de habitantes, as poucas políticas empregadas chegam de forma insuficiente, mal planejadas e mal executadas. Isso, infelizmente, leva a não superação da vulnerabilidade climática.

Alguns têm chamado essa realidade de invisibilidade climática. Todos os anos, moradores da região sofrem com desastres como enchentes, queimadas, poluição do ar e da terra. São tragédias e consequências ambientais que já se tornaram cotidianos em lugares onde é recorrente a falta de fiscalização, a busca pelo lucro a qualquer custo, a falta de investimento público e a ineficiência da infraestrutura urbana. São impactos cruéis que provocam diversos tipos de doenças crônicas nos moradores ao redor, os impedindo de ter uma vida segura e digna. 

A equipe da Visão Coop procurou gestores públicos da Baixada para o filme, mas o foco foi amplificar a voz dos moradores. 

“Nós queríamos romper com o mito do jornalismo imparcial e asséptico. O objetivo principal foi que o documentário se transformasse numa narrativa política pela sobrevivência de periferias contra o descaso público, contra o pacto com grandes poluidores e extrativistas. Existem diversas formas de produzir pressão e monitoramento sobre as políticas públicas de adaptação, que hoje são mais urgentes que nunca. Com as mudanças climáticas, secas extremas e tempestades em grandes proporções serão cada vez mais frequentes e lugares atravessados pelo racismo ambiental sofrerão esses impactos de forma desproporcional.”  — Fabrícia Sterce

Fabrícia reflete sobre o cenário devastador que ocorre atualmente no Sul do país:

“Precisamos ter em mente que a calamidade pública que estamos acompanhando com muita tristeza no Rio Grande do Sul, também é resultado da degradação ambiental e da falta de políticas de adaptação. Precisamos cobrar o poder público por investimentos em políticas efetivas e preventivas, com a participação e aval dos moradores, para que deixem de agir depois que o pior já aconteceu e vidas se perderam.”

Os episódios do Documentário Como Sobreviver ao Racismo Ambiental serão disponibilizados nas redes da Visão Coop, ainda sem data prevista de lançamento.

Print da tela de abertura do Documentário 'Como Sobreviver ao Racismo Ambiental'. Foto: Visão Coop Print da tela de abertura do documentário ‘Como Sobreviver ao Racismo Ambiental’. Foto: Visão Coop

Para doar para a produção do ‘Como Sobreviver ao Racismo Ambiental’ entre em contato por email: passa@visão.com.

Sobre o autor: Fabio Leon é jornalista, ativista dos direitos humanos e assessor de comunicação no Fórum Grita Baixada.


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