Coalizão Negra por Direitos realiza “13 de Maio de lutas” contra o genocídio negro e pede justiça para chacina do Jacarezinho
Nem a chuva, nem o frio, nem a pandemia, impediram a população de tomar as ruas do Rio de janeiro e outras 40 cidades do Brasil, na última quinta-feira, 13 de maio, para protestar contra o racismo e o genocídio do povo negro no país.
O protesto organizado pela Coalizão Negra Por Direitos—aliança nacional formada por mais de 200 organizações, entidades, grupos e coletivos do movimento negro brasileiro—levou às ruas manifestantes usando mascarás de proteção e guiados pelo lema “Nem Bala, Nem Fome, Nem Covid. O Povo Negro Quer Viver!”, reforçando a denuncia que consta no manifesto da Coalizão: “Denunciamos ao mundo que vivemos em um país no qual amanhã poderemos estar mortos, pelo fato de sermos negros”.
Ao todo, foram 41 atos nacionais e três internacionais: um, em Londres e dois nos Estados Unidos, nas cidades de Nova Iorque e Austin. O “13 de Maio de Lutas” faz alusão ao marco do fim da escravidão no Brasil, em um debate sob a ótica do povo preto.
Entre as reivindicações do movimento está a garantia de auxílio emergencial de R$600 até o fim da pandemia; o direito da população negra à vacina contra o coronavírus, e pelo SUS; e a saída de Jair Bolsonaro da presidência.
O dia de protesto, nomeado também de #13deMaioNasRuas, foi uma resposta à barbárie na operação policial que resultou na #Chacina do Jacarezinho, a ação policial mais letal da história da cidade do Rio, que culminou em 29 mortes: 28 civis e um policial civil.
“Nossos filhos têm sido assassinados covardemente nas favelas. Eles são perseguidos, presos, mortos com tiro nas costas e desarmados como o meu filho Johnatha, que foi morto por um policial da UPP. Amanhã [14 de maio] fazem 7 anos. Isso prova que não houve abolição. Que liberdade é essa que nós temos que nos mata? Essa abolição é falsa! E não é só a polícia! Todo o sistema judiciário tem na ponta da caneta as mortes dos nossos filhos. Mas, nossos mortos têm voz. Nossos filhos têm mães”, brandiu Ana Paula de Oliveira, do coletivo Mães de Manguinhos, movimento que reúne mães vítimas de violência de Estado no Rio de Janeiro.
No Brasil, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. As vítimas da violência policial no Rio de Janeiro são esmagadoramente negras. Dos 885 civis mortos pela polícia do Rio no primeiro semestre de 2019, 80% eram negros ou pardos. Passados 133 anos da abolição, a população negra ainda é alvo de violência policial e vive os efeitos do racismo estrutural.
A #ChacinanoJacarezinho trouxe o fim de 28 pessoas e todos merecem serem lembrados, todos!! Pois todos são seres humanos e eles tem nome e sobrenome!! @coalizaonegra #13deMaioNasRuas pic.twitter.com/okg0CLzK9F
— Monica Cunha (@monicacunhario) May 14, 2021
O 13 de Maio, para além do Dia da Abolição da Escravatura, é também o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. Para o movimento negro, levando em consideração as consequências socioeconômicas da falta de assistência às pessoas que foram libertas—que são sentidas até os dias atuais—o dia 13 de maio é um dia de luta e não de comemoração. O Brasil foi o último país do Ocidente a libertar e proibir a escravidão negra, em 13 de maio de 1888.
#13DeMaioNasRuas
“Eu sou um mulher negra integrante do Laboratório de Narrativas e Dados do Jacarezinho (LabJaca). Sou cria da Cidade de Deus e tenho 21 anos. Eu estou cansada de vir para a rua falar de morte. Eu quero falar de vida, mas não deixam. A juventude negra da favela não aguenta mais. A gente quer falar de potência e de narrativa de vidas, mas o Estado não deixa”, protestou a estudante de direito Mariana Galdino.
No Rio de Janeiro, ao longo do dia, ocorreram sete atos, sendo o principal realizado na Candelária, no Centro do Rio. Às 18 horas, os manifestantes caminharam até a Praça da Cinelândia, ocupando as escadarias da Câmara Municipal. Mc Galo, morador da Rocinha, cantou a canção: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela em que nasci”, que se tornou hino nas favelas. Ele ainda, de cima do carro de som, puxava protestos na batida do funk.
“O genocídio do corpo negro segue naturalizado. Por isso, nesse 13 de maio, a gente veio para as ruas para denunciar a falsa abolição, pois ela nunca existiu neste país. Exigimos uma investigação imediata para a chacina do Jacarezinho. 28 corpos não é ação policial, é chacina! Será que o que acontece nas favelas da Zona Norte e Oeste do Rio aconteceria se fosse uma ação na Barra da Tijuca? Na Zona Sul? Quais vidas importam? Precisamos de uma controle policial independente”, questionou Seimour Souza, coordenador da Uneafro-RJ e integrante da Coalizão Negra.
Apesar do Rio de Janeiro e São Paulo—o principal protesto na cidade ocupou a Avenida Paulista—concentrarem 15 atos, de norte ao sul do país houve protestos contra o genocídio da população negra e pedidos de justiça para as vítimas da chacina do Jacarezinho. Os protestos uniram entidades e organizações do Movimento Negro de ontem—como o Movimento Negro Unificado—e de hoje, pactuados na Coalizão Negra Por Direitos.
“A bala da polícia seleciona,
a sentença do juiz seleciona,
a porta giratória dos bancos, seleciona,
o segurança do shopping, seleciona
os seguranças do supermercado Extra e Carrefour, selecionam,
nossa morte segue institucionalizada pelo Estado Brasileiro,
a polícia é racista, fora genocida” — Manifesto repetido por vozes em todas os 41 atos espalhados pelo Brasil.
Rios de Medos
“A gente está na rua porque a gente de novo precisou sair das nossas casas…. A gente estava aqui ano passado, quando mataram o João… Forçaram a gente a sair de casa porque estavam indo nas nossas casas nos matar! E de novo, um ano depois, eles estão nos matando. Eles não param de nos matar! A gente está na rua porque a vida não é favor. A vida é um direito”, protestou Wesley Teixeira, colunista da PerifaConnection.
Há menos de um ano, em 31 de maio, diversos coletivos negros foram às ruas em meio a pandemia para protestar contra a morte de jovens negros e favelados pelas mãos da polícia, gritando: “Vidas Negras Importam” e “Vidas Nas Favelas Importam” em português e inglês, exigindo o fim das violentas operações policiais nas favelas. Inspirado em parte, por manifestações em resposta à morte de George Floyd.
Estes protestos aconteceram sobretudo após uma série de assassinatos de jovens negros cometidos por policiais em operações nas favelas no Rio de Janeiro. Entre eles, João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, dentro de casa no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo, em 18 de maio de 2020.
A chacina do Jacarezinho se insere no topo da lista de extermínios que marcam o cotidiano das favelas do Rio de Janeiro, escancarando o racismo presente na sociedade brasileira. Para os manifestantes, “quando o Estado é mais perigoso do que o vírus”, ir às ruas não é uma escolha, mas uma luta por sobrevivência. “Estamos vendo um genocídio da população negra, com falta de vacinas, sem auxílio emergencial, com a fome e operações policiais ilegais em plena pandemia! Chega!”, gritavam no #13deMaioNasRuas.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, nos arredores do Complexo do Alemão, uma bala perdida alcançava a janela de cima de um ônibus que passava pela Estrada do Itararé. Não houve feridos dentro do ônibus, mas no Morro do Adeus, houve uma pessoa ferida no tiroteio. Mais uma vez, moradores lavavam sangue do chão da favela, protestou Tuany Nascimento, professora idealizadora do projeto Na ponta dos Pés. O post foi republicado em inglês:
This is a ten minute walk from where I Iived in Rio.
Another police operation. More blood in the streets of the favelas.
Follow Tuany 👇🏻👇🏻👇🏻 She is the founder of a brilliant ballet project in Morro do Adeus (part of Complexo do Alemão, in Rio de Janeiro). https://t.co/vXkJ5PsxQa
— Edmund Ruge (@EdmundRuge) May 13, 2021
“Não É Um Caso Isolado”
Jornalista e fotógrafa, moradora do subúrbio do Rio, Tatiane Mendes, munida da câmera fotográfica, máscara PPF2 e álcool 70%, foi para às ruas denunciar o genocídio negro. Para ela, ao ser atravessada pelo noticiário daquele 6 de maio, dia em que 28 moradores do Jacarezinho foram executados pela polícia civil, não havia outro lugar para ir. Foi participar do protesto convocado por moradores e associações comunitárias já no dia seguinte a chacina, em 7 de maio, dentro da favela do Jacarezinho, Zona Norte. Afirma Tatiane:
“Havia uma urgência em nos organizarmos para dar uma resposta a nós mesmos e ao Estado diante da dor de tantos e de todos nós. Dor que ultrapassa a revolta, o medo de mais ações e que nos fez caminhar diante da Cidade da Polícia, a mesma de onde partiram os assassinos de Jonathan, Jonas, Márcio, Carlos, Rômulo, Francisco, Cleyton, Natan, Maurício, Ray, Guilherme, Pedro, Luiz, Isaac, Richard, Omar, Marlon, Bruno, Pablo, John, Wagner, Matheus, Rodrigo, Toni, Diogo, Caio e Evandro.
Seguimos ali, no percurso até a praça do Jacarezinho onde foi realizado o ato, em meio à chuva da sexta-feira (7/5), tendo como pano de fundo o noticiário ininterrupto que anunciava a cada hora mais uma vítima da chacina, somados ao crescimento de casos de Covid-19, à incerteza sobre a vacinação para todos e diante do crescimento do número de famílias em situação de insegurança alimentar. Nesse cenário, a ideia de uma chacina—desobedecendo a determinação da Justiça de proibir operações policiais durante a pandemia—nos faz compreender que as operações policiais do Estado do Rio de Janeiro, nas favelas, não representam falha, é projeto de extermínio e trazem a certeza de que a organização para enfrentar a barbárie é urgente.
A chacina do Jacarezinho não é infelizmente um caso isolado, mas, repito, a sistemática reprodução de um modelo de gestão que mata todos os corpos que encontra pelo caminho—de fome, bala ou negligência. Nesse momento estar nas ruas é somar esforços a todos que defendem os direitos humanos, por todos aqueles que não podem estar. É também fortalecer o compromisso histórico de nos posicionarmos na escuta e no enfrentamento da barbárie, porque já é tarde demais.”